Resgate de 337 pessoas do trabalho escravo escancara racismo e cultura escravagista no Brasil

Atualizado em 29 de Julho de 2022 às 17h10
Foto: Divulgação / MPF

“A cor do trabalho escravo atual não difere do antigo”. Essa declaração foi feita por Italvar Medina, vice-coordenador Nacional da Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho (MPT), ao falar sobre a megaoperação que, somente neste mês de julho, já resgatou 337 pessoas em condições análogas à escravidão no Brasil.

Iniciada no dia 4, os resultados da operação foram informados em coletiva à imprensa nessa quinta-feira (28). A ação é considerada a maior para o combate ao trabalho escravo no país, não pelo número de resgatados (segundo o site Repórter Brasil, em 2007, 1.064 pessoas foram resgatadas em uma fazenda de cana em Ulianópolis, no Pará), mas pela estrutura envolvida.

A “Operação Resgate 2” foi realizada em 13 estados e reuniu mais de 100 auditores fiscais da Inspeção do Trabalho, 44 procuradores do MPT, dez procuradores do Ministério Público Federal, 150 agentes da Polícia Federal, 80 da Polícia Rodoviária Federal e 12 defensores da Defensoria Pública da União.

Entre as unidades da federação com maior número de resgatados, está Goiás, com 91 trabalhadores, seguido de Minas Gerais, 78, Acre, 37 e Rondônia, 27. Trabalhadores foram resgatados também no Acre, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Pará, Piauí, Paraíba, Rodônia, Rio Grande do Sul e São Paulo. Não houve ações de fiscalização apenas nos estados do Amapá, Rio Grande do Norte, Roraima e Sergipe.

Nos sete primeiros meses deste ano, o total de resgatados e resgatadas em situação análoga à escravidão no Brasil soma 1.178 pessoas.

Coletiva à imprensa na sede da Procuradoria-Geral da República. Foto: Leonardo Prado/MPF

Crianças entre resgatados
Entre as 337 pessoas, cinco eram crianças e adolescentes. Os números podem aumentar, pois a operação ainda segue em andamento. Outras 13 crianças também foram retiradas do trabalho infantil.

O próximo sábado (30) marca o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Na operação, pelo menos 149 das 337 pessoas resgatadas foram vítimas deste tipo de crime, entre eles quatro migrantes paraguaios e venezuelanos. Do total, 304 estavam em trabalho rural, 27 urbanos e seis em um contexto doméstico. No campo, a maioria estava em trabalho de colheita, cultivo de café e criação de bovinos.

“As pessoas negras, historicamente, sempre tiveram menos oportunidades na sociedade de um modo geral e isso reflete nos índices de violação dos direitos humanos, inclusive, pelo trabalho escravo. A cor do trabalho escravo atual não difere muito da cor do trabalho escravo de antigamente”, afirmou Medina.

Casos estarrecedores
Os casos de trabalho escravo doméstico chamam a atenção. Entre eles, uma mulher de 37 anos que trabalhava desde os 9 anos de idade em João Pessoa (PB), para a filha da patroa da irmã de 57 anos, que mora em Alagoa Grande.

Quando crianças, elas moravam com os pais nas terras do engenho de uma família. Quando os pais das meninas faleceram, a empregadora ficou com a mais velha e “deu” a outra para sua filha. Como a fiscalização ainda está em curso, os dados sobre os empregadores não foram divulgados.

“Isso lembra muito a escravidão colonial, em que as trabalhadoras escravizadas eram passadas entre gerações de uma mesma família”, analisou Italvar Medina.

Na capital paulista, uma trabalhadora de 61 anos estava há 31 no mesmo local, em uma casa na Zona Leste, com jornada das 8h às 22h, sem férias ou descanso.

Outro caso de destaque foi o de uma falsa clínica de reabilitação para usuários de álcool e drogas em Minas Gerais, que obrigava 14 pessoas a fazerem e venderem artesanato. Havia promessa de pagamento a quem cumprisse metas que dificilmente eram alcançadas, motivo de agressões e ameaças. A suposta clínica também não teria supervisão médica, psicológica, corpo de enfermagem ou plano terapêutico.

“Farsa abolição” e exploração capitalista
A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888. Mas, como denunciam os movimentos de luta contra o racismo, uma “farsa abolição”, pois negros e negras seguiram sendo mantidos à margem da sociedade, assim como permanece a lógica capitalista de transformar pessoas em mercadorias e lucro.

Desde 1995, mais de 58 mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades, como o trabalho doméstico.

Essa grave situação foi tratada com absoluto descaso pelo atual governo de Jair Bolsonaro, além de aprofundar o desmonte das ações de fiscalização do Ministério do Trabalho, flexibilizou punições e multas a empregadores flagrados no trabalho escravo.

No ano passado, o presidente da República declarou ser contra a Emenda Constitucional 81, que pune com expropriação a propriedade rural que explora trabalho escravo. Promulgada pelo Congresso em 2014, a EC ainda necessita de regulamentação para definir o que será considerado trabalho escravo. Diante de empresários do setor agropecuário, Bolsonaro afirmou que a emenda não seria regulamentada em seu governo.

Fonte: CSP-Conlutas, com informações: MPF, Repórter Brasil e Agência Brasil. Foto: Divulgação MPT. Edição: ANDES-SN

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