Após voto do relator, STF suspende julgamento da ADPF 635 sobre letalidade policial no Rio 

Publicado em 12 de Fevereiro de 2025 às 16h58. Atualizado em 14 de Fevereiro de 2025 às 18h01

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, no dia 5 de fevereiro, o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas, que trata da redução da letalidade policial no estado do Rio de Janeiro. O julgamento foi suspenso no mesmo dia, após o voto do relator, o ministro Edson Fachin.

Foto: Gustavo Moreno/STF

Fachin propôs a homologação parcial do plano apresentado pelo governo estadual fluminense para mitigar a violência policial. O magistrado também sugeriu medidas complementares para garantir a efetividade da decisão. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou a complexidade do tema e a necessidade de um prazo para que o colegiado busque consensos sobre os diversos pontos abordados na ação.

Apresentada em 2019, a ADPF 635 questiona a política de segurança pública do Rio de Janeiro, alegando que ela promove violações massivas a direitos fundamentais, decorrentes da política de segurança pública implementada no estado, especialmente contra a população pobre e negra das comunidades.

De acordo com Daniel Sarmento, advogado da ação e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o foco da ADPF 365 é a situação calamitosa no Rio de Janeiro em matéria de letalidade policial. “No ano em que ajuizamos a ação, foram 1.814 mortes, mais do que o dobro do número de pessoas mortas pela polícia dos Estados Unidos no mesmo período”, disse.

O advogado contou que, mesmo com a alta letalidade, não havia possibilidade de mudança devido às posturas das instituições do estado do Rio, como governo, polícia, Ministério Público e do Judiciário. “Levamos o tema ao Supremo, e, na época, já havia uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a violência policial, no caso Favela Nova Brasília. O Supremo decretou algumas medidas importantes, como a obrigatoriedade do uso de câmeras de vídeo nas fardas dos policiais, a exigência de comunicação prévia de todas as operações ao Ministério Público para controle e a determinação de que o MP passasse a investigar autonomamente os crimes envolvendo policiais ligados à violência, entre várias outras”, contou o advogado.

“Em nenhum momento houve proibição de operações policiais. O que a ação busca é um maior controle da polícia. E controlar a polícia, diante de um cenário de forte infiltração do crime dentro da corporação – evidenciado, por exemplo, no caso Marielle Franco - não significa atuar contra o combate ao crime”, explicou Sarmento. O advogado ressaltou que que a ação já trouxe resultados muito significativos: a letalidade policial caiu mais de 60%, e, em 2024, foram registradas 699 mortes. “Em 2019, ano em que propusemos a ação, foram 1.814 mortes. São mais de mil vidas preservadas”, completou.

Ana Paula Oliveira, cofundadora do coletivo Mães de Manguinhos - entidade Amicus Curiae no processo -, participou do primeiro dia da retomada do julgamento no STF e ressaltou a importância do comparecimento das famílias afetadas pela violência estatal no julgamento. “É uma decisão sobre a vida de quem mora nas favelas e periferias, onde há um alto índice de letalidade policial e violação de direitos, especialmente durante as operações policiais. Quem mora em favela, como eu, nascida e criada, vivendo há 48 anos em Manguinhos, sabe como é a atuação da polícia”, disse.

Ela reforçou que a polícia precisa agir dentro da constitucionalidade, garantindo os direitos das pessoas e o direito à vida. “Queremos que a polícia atue nas favelas da mesma forma que age nos grandes condomínios, nos bairros de alto poder aquisitivo, onde o tratamento é completamente diferente”, afirmou.

Mães de Manguinhos
A cofundadora das Mães de Manguinhos contou que o movimento surgiu inspirado no movimento Mães de Maio, de São Paulo, e é um coletivo de mães que têm filhos encarcerados ou que perderam seus filhos para a violência do braço armado do Estado. “A UPP chegou em Manguinhos em outubro de 2012 e, poucos meses depois, já fazia suas primeiras vítimas, como Mateus de Oliveira Cazé, um jovem de 16 anos morto com arma de choque, em 2013. Em outubro do mesmo ano, mais um jovem foi assassinado: Paulo Roberto, de 18 anos, espancado até a morte por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP)”, disse Ana Paula, que afirmou nunca ter imaginado que seu filho seria uma das vítimas.

“Em 2014, meu filho, Jhonata de Oliveira Lima, de 19 anos, foi assassinado por um policial aqui em Manguinhos [RJ]. Ele saiu de casa para levar um pavê para a avó. Entregou o doce, deixou a namorada em casa e, logo depois, foi alvejado por um policial militar que trabalhava na UPP”, relembrou.

Segundo a cofundadora do coletivo, na missa de sétimo dia do seu filho foi feito um ato e uma caminhada pela favela. “Foi ali que entendemos que precisávamos levar essa denúncia para fora de Manguinhos, e assim nasceu o movimento Mães de Manguinhos”, contou.

Contexto da ação
A ADPF 635 foi apresentada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e se baseia na alegação de violação massiva de direitos fundamentais no estado, em razão da omissão estrutural do poder público em relação ao problema. Para o partido, há um quadro de grave violação generalizada de direitos humanos em razão do descumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Favela Nova Brasília.

A sentença da Corte IDH reconheceu a omissão do estado do Rio de Janeiro na elaboração de um plano para reduzir a letalidade policial e determinou a implementação de medidas para garantir o respeito aos direitos humanos. As decisões da Corte IDH são vinculantes, ou seja, obrigam o Estado brasileiro a adotá-las.

Em 5 de junho de 2020, o ministro Edson Fachin, do STF, determinou, por meio de liminar, que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, durante a pandemia da Covid-19, deveriam ocorrer de forma excepcional.

“É fundamental que o Supremo confirme as medidas já decretadas, seguindo o voto do ministro Fachin, e estabeleça o monitoramento contínuo dessas ações. Não queremos apenas uma decisão no papel, mas sim que sua implementação seja fiscalizada por um órgão externo ao estado, como o próprio Supremo. O voto de Fachin também menciona a criação de um comitê de fiscalização com representação da sociedade civil. Afinal, não podemos ter um apartheid na segurança pública, em que os direitos valham para a população dos bairros nobres e de elite, enquanto, nas favelas, vigore um Estado de exceção permanente, onde os direitos simplesmente não têm valor para a população, majoritariamente negra e pobre”, avaliou o advogado Daniel Sarmento. 

“Sabemos que essa luta não pode ser só das mães. Não lutamos apenas por justiça e reparação, mas principalmente para que isso não se repita. Essa deve ser uma luta de toda a sociedade, pela garantia da vida”, concluiu Ana Paula.

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