Operação militar na Baixada Santista em SP já matou 16 pessoas 

Atualizado em 10 de Agosto de 2023 às 16h48

A ação truculenta da PM é duramente criticada pelo movimento negro, entidades em defesa dos direitos humanos e parlamentares

Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Filipe do Nascimento, 22 anos, foi assassinado na noite de 31 de julho deste ano ao sair de casa para fazer compras em um supermercado de Guarujá (SP). Ele era casado, pai de dois filhos e trabalhava em um quiosque na região. Filipe entrou para as estatísticas da operação policial deflagrada na Baixada Santista, região integrada por nove municípios paulistas. A chamada “Operação Escudo” começou no dia 28 de julho em Guarujá, após a morte de um soldado da Rota, Patrick Bastos Reis. 

O balanço parcial da ação comandada pelas polícias Militar e Civil do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), divulgado na terça-feira (8) pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), mostra que, até o momento, 16 pessoas foram mortas e 246 presas. Mesmo com três pessoas já indiciadas pela morte do militar, a operação continua. 

A ação truculenta da PM tem sido duramente criticada em protestos promovidos pelo movimento negro e de movimentos de mães em frente à Secretaria de Segurança Pública de SP. Por meio de nota pública, parlamentares e entidades em defesa dos direitos humanos se manifestaram exigindo o fim imediato da Operação que produziu uma quantidade injustificada de mortes e violência institucional contra a população local. Moradoras e moradores dos bairros onde ocorreram as mortes na cidade de Guarujá relataram que policiais executaram aleatoriamente pessoas identificadas como egressas do sistema prisional ou com passagem pela polícia.  Há, ainda, relatos de invasão nos domicílios e torturas, maus tratos e abusos de autoridade.  

Para Ana Maria Estevão, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e que integra a Comissão da Verdade do ANDES-SN, a continuidade da “Operação Escudo” reforça o papel das chacinas policiais como instrumentos do genocídio negro, agravado pela oficialidade e legitimidade que o governo do estado de São Paulo tem buscado garantir.

“Se a operação era para prender quem cometeu o assassinato do soldado, isso já foi resolvido com a prisão de três pessoas. A operação continua, segundo eles, para frear o tráfico e como foi dito no discurso fascista do governador de extrema direita, ‘toda guerra tem efeitos colaterais’. Porém, o que ocorre em São Paulo é crime de lesa-humanidade, que é uma verdadeira política de extermínio contra uma população negra, pobre e periférica. É uma atuação escudada em alguns apoios jurídicos e tem caráter oficial apoiada pelo próprio governo”, explicou.

Ana Maria Estevão comparou a “Operação Escudo” com as que ocorrem no Rio de Janeiro. “Saiu no jornal que das 16 pessoas mortas, não há registro das câmeras em seis casos, muito estranhamente as outras 10 têm. Isso nos mostra que é política deliberada. Há relatos de que, no total, são mais de 30 mortes nas cidades de Santos, Guarujá, Praia Grande, São Vicente, e outras regiões do litoral que têm acesso direto ao Porto de Santos”, contou. Na gestão de Tarcísio, segundo dados da própria Secretaria de Segurança Pública, houve um aumento de 26% de mortes decorrentes da ação de policiais militares no primeiro semestre deste ano, os primeiros seis meses do novo governo estadual, mesmo com o uso de câmeras. 

A integrante da Comissão da Verdade do ANDES-SN explicou que além de uma vingança explícita das polícias, em decorrência da morte do soldado da Rota, há também uma disputa por território, já que o Porto de Santos é o principal porto brasileiro e o maior complexo portuário da América Latina. “Um território altamente passível de chegar e sair contêineres com grandes quantidades de drogas para várias partes do mundo”, citou. 

A docente cobrou uma resposta da Justiça e do governo federal. “Além da Justiça, é preciso que os ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos e Cidadania do governo federal apurem essas violências que estão ocorrendo em São Paulo para garantir o acesso das famílias que habitam esses espaços e que tiveram o seu cotidiano afetado por essa operação, que esses moradores possam o ir e vir e a vida voltar a normalidade, que as pessoas possam trabalhar, as crianças possam ir a escola sem a ameaça de levar um tiro a qualquer momento”.

O MPSP informou que já começou a receber as imagens das câmeras corporais dos agentes que atuaram no âmbito da Operação Escudo, deflagrada pela PM no Guarujá. Os promotores designados pela Procuradoria-Geral de Justiça para apurar os desdobramentos da intervenção na Baixada Santista aguardam o envio de outros dados solicitados à corporação, que vem colaborando para o esclarecimento dos fatos.

Em nota, o ANDES-SN alertou quanto à continuidade de um projeto de extermínio contra populações pretas periféricas. "Essa chacina reforça a persistência de um projeto autoritário e de genocida direcionado às comunidades periféricas, especialmente à população preta e de baixa renda". O Sindicato Nacional ainda cobrou a respopnsabilização do governo do etsdao de São Paulo. "É crucial que o governo Tarcísio de Freitas e a PM-SP sejam responsabilizados, e que ocorram investigações para apurar as circunstâncias dessa que é a segunda maior chacina na história do Estado de São Paulo. O respeito aos direitos humanos, à igualdade e à justiça deve ser o alicerce de qualquer sociedade democrática". A íntegra do documento pode ser acessa AQUI.

Crimes de maio
Em São Paulo há uma ferida aberta desde o fatídico mês de maio de 2006, quando ocorreu uma das maiores chacinas do país “Os Crimes de Maio”. Naquele ano, cerca de 500 jovens das classes trabalhadoras e moradores das periferias foram assassinados por policiais e seus grupos de extermínio na capital, na Baixada Santista e outras cidades de São Paulo. O episódio ficou conhecido como uma das maiores matanças cometidas pelo Estado na história do Brasil. 

 Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Entre os dias 12 e 21 de maio daquele ano, policiais e grupos de extermínio paramilitares — que testemunhas e outros indícios apontam serem formados também por policiais — mataram 425 pessoas e foram responsáveis pelo desaparecimento de outras quatro. Os ataques continuaram após alguns dias, matando mais 80 civis. Apesar de tal magnitude, até hoje os crimes não foram solucionados e poucas famílias foram reparadas, enquanto outras ainda buscam respostas a respeito de seus entes queridos que simplesmente desapareceram. 

O Movimento Mães de Maio se manifestou por meio de nota contra a operação policial e a classificou como “racista”. O movimento elencou seis providências imediatas para o fim da operação, dentre elas a intervenção urgente do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em Guarujá, a imediata retirada das tropas da Rota da cidade e esclarecimento dos óbitos.  

“O silêncio sepulcral por parte da esquerda policialesca, o silêncio das comissões da OAB, dos movimentos de Direitos Humanos, dos movimentos feministas, de setores do movimento negro, e, sobretudo, o silêncio da Ouvidoria da Polícia de São Paulo, que tem o dever de acompanhar esse tipo de operação, foram convertidos como instituições e movimentos coniventes com a ação genocida da polícia fascista de São Paulo, acobertada pelo governo do Tarcísio de Freitas”, revelou um trecho da nota.

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