Seminário aborda multicampia e permanência de docentes nas fronteiras do país

Publicado em 15 de Março de 2025 às 00h41. Atualizado em 16 de Março de 2025 às 13h03

O segundo dia do II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN, realizado nessa sexta-feira (14), aprofundou as discussões sobre as condições de trabalho, logística e políticas públicas para garantir a permanência de docentes em instituições de ensino localizadas em regiões afastadas dos grandes centros urbanos e fronteiras.

Organizado pelo Grupo de Trabalho de Multicampia e Fronteira (GT Multi-Front) em parceria com a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Roraima (Sesduf-RR SSind.), o evento ocorreu desta vez no auditório da Escola Agrotécnica (Eagro) da Universidade Federal de Roraima (UFRR), no Campus Murupu, a 35 km da capital Boa Vista (RR). Foi realizada uma visita guiada na área, que abriga os cursos Tecnólogo em Agroecologia e Técnico em Agropecuária. 

Foto: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN

Na mesa “Condições de trabalho, fixação e orçamento”, César Beras, 1º vice-presidente da Regional Rio Grande do Sul e do GT Multi-Front do ANDES-SN, apresentou os resultados do 1º Levantamento sobre Situações de Multicampia e Fronteira, conduzido pelo GT. O estudo mapeou as condições de trabalho, infraestrutura, orçamento e organização sindical em universidades, institutos e cefets multicampi e localizados em regiões de fronteira. Participaram seções sindicais de 16 instituições de ensino superior, distribuídas em 11 estados brasileiros, totalizando 110 campi. 

De acordo com o diretor do Sindicato Nacional, a precarização é uma realidade recorrente nesses locais. Entre os principais desafios estacados, 54,5% das instituições relatam infraestrutura inadequada, com estruturas alugadas, falta de recursos e transporte inadequado. Além disso, 40,9% das respostas apontam dificuldades de fixação de docentes devido à escassez da oferta de serviços públicos, falta de moradia e ausência de um adicional de fronteira, essencial para atrair e reter profissionais.

A falta de investimento e orçamento afeta 38,8% das instituições, enquanto 39,2% das e dos docentes enfrentam dificuldades de adaptação devido à distância geográfica e ao alto custo de serviços básicos, como saúde, transporte e moradia.

O levantamento também analisou a organização sindical nas instituições multicampi e em regiões de fronteira. Apenas 18,75% das seções sindicais possuem um GT específico para tratar dessas questões. De acordo com Beras, o diagnóstico realizado pelo GT do ANDES-SN evidencia a necessidade de uma política nacional para enfrentar os desafios da expansão multicampi e da atuação em regiões de fronteira.

“O ANDES-SN seguirá trabalhando para garantir que as instituições multicampi e em regiões de fronteira tenham as condições necessárias para oferecer um ensino público de qualidade, com condições dignas de trabalho para docentes”, afirmou. 

Os desafios da fixação docente em áreas de fronteira foram abordados por Antônio Carlos Araújo, presidente da Sesduf-RR SSind. Segundo ele, o governo federal criou nos últimos anos 27 universidades e 19 institutos de ensino superior públicos, além de dezenas de novos campi vinculados a instituições já existentes. 

Foto: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN

Embora essa expansão tenha impulsionado a interiorização do ensino superior, também gerou desafios logísticos e de infraestrutura. “Em Roraima, a UFRR tem um papel fundamental na formação de profissionais e no desenvolvimento de projetos de extensão junto a comunidades indígenas, assentamentos rurais e áreas de fronteira com a Venezuela e a Guiana. No entanto, a fixação de docentes nessas regiões ainda é um problema grave”, alertou.   

O presidente da seção sindical apontou que a rotatividade de professoras e professores na UFRR é alta, com um número significativo de exonerações e vacâncias ao longo dos anos. Entre os principais fatores que dificultam a permanência docente estão a logística de transporte, a falta de comunicação eficiente, a escassez de serviços básicos (como saúde e educação), a dificuldade de acesso a moradia e alimentação de qualidade, e a distância dos grandes centros urbanos.  

O docente também destacou o conceito de "universidade enclave" que se refere à forma que muitas instituições de ensino superior são vistas como espaços isolados, sem integração significativa com as comunidades locais. Essa falta de conexão, segundo ele, contribui ao desinteresse das e dos docentes em permanecer nessas regiões, agravado pela ausência de políticas públicas que garantam condições dignas de trabalho e de vida.  

Audirene Cordeiro, docente da Universidade Federal de do Amazonas (Ufam), destacou a precariedade, as dificuldades de deslocamento e a ausência de políticas públicas voltadas para as e os docentes que atuam em campi do interior do Amazonas.

A professora explicou a capilaridade da Ufam, que conta com 18 unidades na capital, Manaus, e cinco no interior, cada uma com desafios geográficas e logísticos. Como exemplo, citou o Instituto de Natureza e Cultura (INC), localizado em Benjamin Constant, a 1.116 km em linha reta de Manaus, onde o deslocamento pode levar até 31 horas de barco. 

Foto: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN

Segundo Cordeiro, essas distâncias impactam diretamente o orçamento das e dos docentes, que precisam arcar com custos elevados para participar de eventos científicos, reuniões administrativas e até mesmo para garantir sua subsistência.

O custo de vida nessas regiões é alto, com grande dependência de Manaus para o abastecimento de bens e serviços. "Não se come o que se precisa, mas o que está disponível", destacou.

Além disso, docentes que vivem em áreas afastadas enfrentam riscos de isolamento devido a estiagens, fechamento de aeroportos e falta de água potável. A assistência à saúde é outro ponto crítico obrigando as moradoras e os moradores de outros municípios a se deslocarem para a capital em busca de atendimento especializado. "Não há hospitais de média complexidade, nem especialidades médicas, e as UTIs aéreas não cobrem a demanda", explicou.

Para a docente da Ufam, a multicampia é fruto da luta dos movimentos sociais pelo direito de ingresso e permanência de quilombolas, ribeirinhos, e indígenas na universidade pública. No entanto, para garantir uma expansão de qualidade, é fundamental que as e os docentes cobrem dos governos contrapartidas que incluam melhores condições de saúde, educação e deslocamento. 

Emerson Duarte, 2º vice-presidente da Regional Norte II do ANDES-SN e docente da Universidade do Estado do Pará (Uepa), abordou o financiamento das universidades, durante o seminário. 

Com base em dados de 2023 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Geocapes – ferramenta gráfica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) -, Duarte destacou que a multicampia se consolidou como uma realidade em todas as regiões do país, mas a realidade varia conforme a região. 

No Nordeste, universidades estaduais e federais enfrentam dificuldades relacionadas à distribuição orçamentária e à escassez de recursos para manutenção dos campi. No Sudeste, embora a concentração de instituições seja maior, persistem desigualdades na alocação de verbas entre unidades situadas em capitais e no interior. Já no Sul e no Centro-Oeste, os desafios incluem a ausência de políticas específicas para regiões de fronteira e o difícil acesso a serviços básicos, como saúde e transporte.

Foto: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN

Emerson Duarte apresentou ainda os dados sistematizados pela coordenação do Setor das Iees/Imes/Ides do ANDES-SN, a partir dos Balanços Gerais dos Estados, que permitiram mapear o financiamento das instituições estaduais e municipais de ensino superior entre 2007 e 2023. Já os dados das instituições federais foram organizados pelo GT Verbas, com base no banco de dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop) do Governo Federal.

O levantamento apontou que os recursos destinados a essas instituições são insuficientes para atender às demandas. Na Região Norte, por exemplo, universidades federais e estaduais enfrentam dificuldades para manter laboratórios, adquirir insumos e ampliar a oferta de cursos de pós-graduação.

“Apesar dos desafios, a multicampia foi reconhecida como uma conquista importante para a democratização do acesso ao ensino superior público. A expansão das universidades para o interior e as regiões de fronteira permitiu que milhares de estudantes, muitos deles de comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas, tivessem acesso à educação superior. No entanto, para que essa expansão seja sustentável, é necessário que os governos federal e estaduais garantam investimentos adequados e políticas específicas para essas regiões”, avaliou o diretor do Sindicato Nacional. 

Unifronteiras
As atividades da tarde ocorreram no Centro de Ciências Agrásrias (CCA), no Campus Cauamé da UFRR, com uma análise das propostas da Rede Unifronteiras e sua relação com a política sindical do ANDES-SN.

Fran Rebelatto, secretária-geral do ANDES-SN, integrante do GT Multi-Front, e docente na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), apresentou um documento da Rede de Universidades de Fronteira (Unifronteiras), lançada em dezembro do ano passado.

A rede reúne reitores e reitoras de 14 instituições federais de ensino e tem como objetivo fortalecer a integração regional e internacionalizar a educação superior nas áreas de fronteira, superando desafios burocráticos, logísticos e estruturais.

Foto: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN

Segundo o documento publicado como Demandas da Rede Unifronteiras, o Brasil possui mais de 15.000 km de fronteira, dividindo-se com dez países, o que oferece um grande potencial para a cooperação internacional e a internacionalização da educação superior.

“Diante das pautas que são comuns a partir do documento apresentado pela rede Unifronteiras e à luz das nossas demandas trabalhistas e por condições de trabalho nas universidades e institutos federais de fronteira, entendemos ser importante a articulação com essa rede no âmbito da Andifes e Conif no sentido de ampliar, inclusive, a luta por essas demandas”, destacou Rebelatto.

Foi exibido o documentário "A Multicampia nas Universidades Amazônicas", produzido pela Associação dos Docentes da Ufam (Adua SSind.), que traz relatos de docentes da região Amazônica destacando as dificuldades enfrentadas e as estratégias de resistência das comunidades acadêmicas e sindicais.

Após a exibição da película, representantes das instituições de ensino relataram as diferentes experiências e realidade de multicampia e de IES em Fronteiras. Professoras e professores relataram longos deslocamentos, falta de recursos para pesquisa e extensão, e a necessidade de assumir múltiplas funções devido à escassez de pessoal.

Além disso, há uma desconexão entre as políticas de expansão das universidades e as necessidades reais das comunidades locais, com cursos sendo abertos sem a devida estrutura ou diálogo com as e os docentes.

Outro ponto comum das falas é a falta de investimento público, que obriga as instituições a depender de parcerias com a iniciativa privada para viabilizar laboratórios e equipamentos. A dificuldade de comunicação e integração com comunidades indígenas também foi destacada, assim como os riscos de segurança em áreas de fronteira.

Encaminhamentos
Após a troca de experiência entre as e os docentes, o GT Multi-Front sistematizou 21 propostas de encaminhamento.  Entre elas, a sistematização dos dados sobre multicampia e fronteira, com a produção de materiais para a continuidade da luta, além do levantamento de dados sobre universidades e institutos federais que recebiam indenização de fronteira e perderam esse benefício.

Também é necessário coletar informações sobre o custo de vida nas diferentes regiões de fronteira. A articulação com a Rede Unifronteiras será feita a partir da pauta trabalhista, e com as e os parlamentares, será trabalhada a proposta de regulamentação dos adicionais de penosidade, como o de fronteira e o de difícil fixação.

O ANDES-SN deverá incluir nas mesas de negociação nacional e setorial a regulamentação do adicional de penosidade. Será solicitado às ouvidorias dados sobre vacância, remoção e redistribuições, além de um mapeamento das propostas legislativas sobre adicionais via assessoria parlamentar. Também será desenvolvido um projeto comum de multicampia e, paralelamente, será produzida uma cartilha/caderno especial e conteúdos audiovisuais sobre a realidade da multicampia, fronteira e precarização; entre outras propostas. 

Seminário
O II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN segue com programação até sábado (15). O evento é uma deliberação do 67º Conad, realizado no ano passado em Belo Horizonte (MG). Já o I Seminário ocorreu na Unila, em dezembro de 2022, e abordou temas fundamentais sobre a realidade das e dos docentes nessas regiões.

Saiba mais:
II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN discute desafios da educação em regiões fronteiriças

 

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